sábado, 27 de agosto de 2011

Os Lírios de Marx. Breve I

Esse dia foi estranho. Embora tivesse nada desses dias estranhos: não chovera, ou ventara, ou fizera frio. Talvez chovia e ventava dentro de meu peito inquieto. O que aconteceu? Eu não aprendi a lição: ouça-te! Não me ouvi, sentia, mas não deixava me contaminar. Embora eu soubesse pela primeira o que devia fazer.

Já passava das 4 da manhã, e nós continuávamos lá. Naquela conversa política que nunca acaba, um marxista tentando justificar o mundo economicamente, e eu dizendo que os pobres também se apaixonam. Os mendigos também se apaixonam. E eu explicando que é preciso estar nas fronteiras, que é preciso partir de onde estamos, não se pode consertar o mundo.

A loucura me persegue. O marxista riu, e logo voltou para seu habitual respeito às classes menos favorecidas. Sugeriu, audaciosamente, que falássemos por 5 minutos cada, quando eu já não queria mais falar, quando eu já confundia foucault’s, e não podia lembrar deleuzes, sugeriu sistematizar nosso breve encontro.

Até aqui, posso ver, como num clip da MTV, os meninos dançavam e pulavam e caçavam, enquanto eu estivera aqui fora, de pé, contando vantagem, falando coisas que eu mesmo não compreendia. Até que veio o desafio: “Se acha que tua subjetividade está alheia às relações mercadológicas da sociedade, tira tua roupa, fica nu!” – não houve tempo para resposta, ele tirou a blusa de algodão, e disse: “sentiu alguma coisa?”, e então tirou a camiseta: “e agora?”

E agora? Que ótima pergunta... e agora, sei que nada sei. A madrugada era fria e ventava, aquele corpo ria, sem roupa, sem graça. Procurei por um cigarro, mas era tarde, ja não haviam cigarros. Era inevitável olhar, era inevitável saber o que minha intuição me dizia. Era branco e sorria, a pele brilhava sobre as lentes da floresta.

Durou pouco, como duraram os becks e os drinks. Voltou a vestir-se, apelei para a Linguagem, a Psicologia, a todas as coisas que não podem dizer. Não me poderiam dizer, o que o tumultuava o mundo às vésperas das 5 da matina, do primeiro grito, do galo. Meu corpo quis falar, mas se calou.

O que mais me encomodou neste sábado sonso, nem quente, nem frio, foi que as coisas continuaram, me atravessaram e deixaram buraquinhos no meu corpo, uma indizível confusão.

Mudamos de lugar, em busca de um cigarro, agora era nós dois e uma multidão, era a fronteira e o centro. O jogo sórdido continuou, ele tira novamente a blusa e a camisera, e sorriu. Queria respostas minhas, minhas ausências, mas continuei estático. Ele se aproximou e me abraçou forte, e disse: “O que você acha que estão pensando?” e sorriu e disse “O que você está pensando?”.

Eu realmente não sei, ainda hoje, nesse sábado estranho, embora inteiramente sonso, eu não sei. Talvez porque o importante é ver o mundo e depois ir embora, que as redes se conectam. E essa é a maravilha do mundo, um segundo, e os segundos se vão.

Quieto, eu encontrei meus amigos, que acabavam de dançar, quietos. Era como se nessa noite tivéssemos encontrado algum tipo de verdade, algum motivo pra acordar nesse sábado sonso e dizer “sou feliz”.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Sobre chás e portais


Confesso: devo deixar alguns velhos hábitos pra trás. Adentro pelo quarto portal, os 21 anos, o pequeno-adulto-ainda-muleque. O portal do Dragão, e me desculpe se algumas mitologias não entendem assim, eu recebi assim: “Entrarás agora pelo quarto portal, o do Dragão, porque deverás aprender que há horas em que se deve cuspir fogo, e outras, em que o melhor é partir para algum reino distante, num salto, num vôo que não é fuga, apenas liberdade.” É claro que perguntei: e qual foram os outros portais pelo qual passei, já não me recordo. Esta voz que era como o próprio Deus, disse que devia procurar dentro de mim, que as respostas que se ecoavam era o que me escapava, era aquilo que a cabeça não podia pensar, o que os cansados neurônios não conseguiam capiturar, cortar, depenar, encaixotar e por a venda – estes sentimentos não podiam ser postos à venda – que se permitisse escapar, daria risadas dos humanos. Começou a chover. Que mágico. Daria risada dos humanos, como os humanos dão risada do carrapato sugando o sangue de um cachorrinho, teria ódio dos humanos que odeiam os carrapatos, que indiferentes ao pécado, sugam o sangue alheio e não me refiro aos morcegos, que sugam o sangue mas impõe o medo, os carrapatos sugam o sangue como crianças tomando sorvete. Que viagem... mas era o Deus, havia de sê-lo. Tomei o primeiro gole do meu chá de camomila, indicado por uma amiga, na esperança de alguma sabedoria, algo que escape, que pense no chá e deixe vir. Mas não me ocorre. Insisto, quase pensando, mas então não seria justo, não seria a verdade de Deus se revelando, mas o pensamento do homem. Pausa. A chuva baixou, só pra me ouvir e agora eu posso me escutar: “Porque procuras a verdade, a justiça e negas o pensamento? não renegaste a verdade, por uma paixão, ou já fora injusto por pura prepotência, e como podes comparar Deus ao homem de forma tão injusta. O Deus há. O Homem há. Logo encontrará o terceiro portal, onde poderá olhar de onde saiste, como uma velha história que contava: quando estás no meio a uma casa pegando fogo, tábuas caindo, fogo no sofá, não podes ver o estrago, é só quando sais, que notas, o pó.” Meu Deus, o que é isso? Não consigo decifrar, mas veja, não deve ser decifrado, deve escapar. É isso – um outro gole de chá, quase morno. Que louco! eu sei qual é o terceiro portal, o Portal do Leão, no gole do chá me veio a imagem clara do Leão, e seu sorriso atraente. A voz: “O portal do Leão: o terceiro, dos 21 portais. Aquilo que se vive dos 14 até completar 21. Olhe pra este leão, com juba e coroa, se achando o maior gatinho. Pobre leão, que acha que o mundo pode girar a seu redor, que pode ter certezas, que quer um futuro, que quer ser o hominho da casa. Este leão áspero, inquieto, mal penteado, sentado no trono do bem ou do mal, esconde dentro de si um gatinho, molhado, miando, com fome, curioso – mas cheio de mêdo.” Certo. Este leão deve partir, já está partindo. Mas sem tristeza, culpa, vergonha. Este leão parte calmo, por que é intenso, ama, desama, manda, desmanda, é tão intenso como seus carrapatos. Devia continuar a história, tratar os outros portais. Mas acabou a chuva, o chá, acabou o Deus de hoje. Agradeço.