segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Sobre chás e portais


Confesso: devo deixar alguns velhos hábitos pra trás. Adentro pelo quarto portal, os 21 anos, o pequeno-adulto-ainda-muleque. O portal do Dragão, e me desculpe se algumas mitologias não entendem assim, eu recebi assim: “Entrarás agora pelo quarto portal, o do Dragão, porque deverás aprender que há horas em que se deve cuspir fogo, e outras, em que o melhor é partir para algum reino distante, num salto, num vôo que não é fuga, apenas liberdade.” É claro que perguntei: e qual foram os outros portais pelo qual passei, já não me recordo. Esta voz que era como o próprio Deus, disse que devia procurar dentro de mim, que as respostas que se ecoavam era o que me escapava, era aquilo que a cabeça não podia pensar, o que os cansados neurônios não conseguiam capiturar, cortar, depenar, encaixotar e por a venda – estes sentimentos não podiam ser postos à venda – que se permitisse escapar, daria risadas dos humanos. Começou a chover. Que mágico. Daria risada dos humanos, como os humanos dão risada do carrapato sugando o sangue de um cachorrinho, teria ódio dos humanos que odeiam os carrapatos, que indiferentes ao pécado, sugam o sangue alheio e não me refiro aos morcegos, que sugam o sangue mas impõe o medo, os carrapatos sugam o sangue como crianças tomando sorvete. Que viagem... mas era o Deus, havia de sê-lo. Tomei o primeiro gole do meu chá de camomila, indicado por uma amiga, na esperança de alguma sabedoria, algo que escape, que pense no chá e deixe vir. Mas não me ocorre. Insisto, quase pensando, mas então não seria justo, não seria a verdade de Deus se revelando, mas o pensamento do homem. Pausa. A chuva baixou, só pra me ouvir e agora eu posso me escutar: “Porque procuras a verdade, a justiça e negas o pensamento? não renegaste a verdade, por uma paixão, ou já fora injusto por pura prepotência, e como podes comparar Deus ao homem de forma tão injusta. O Deus há. O Homem há. Logo encontrará o terceiro portal, onde poderá olhar de onde saiste, como uma velha história que contava: quando estás no meio a uma casa pegando fogo, tábuas caindo, fogo no sofá, não podes ver o estrago, é só quando sais, que notas, o pó.” Meu Deus, o que é isso? Não consigo decifrar, mas veja, não deve ser decifrado, deve escapar. É isso – um outro gole de chá, quase morno. Que louco! eu sei qual é o terceiro portal, o Portal do Leão, no gole do chá me veio a imagem clara do Leão, e seu sorriso atraente. A voz: “O portal do Leão: o terceiro, dos 21 portais. Aquilo que se vive dos 14 até completar 21. Olhe pra este leão, com juba e coroa, se achando o maior gatinho. Pobre leão, que acha que o mundo pode girar a seu redor, que pode ter certezas, que quer um futuro, que quer ser o hominho da casa. Este leão áspero, inquieto, mal penteado, sentado no trono do bem ou do mal, esconde dentro de si um gatinho, molhado, miando, com fome, curioso – mas cheio de mêdo.” Certo. Este leão deve partir, já está partindo. Mas sem tristeza, culpa, vergonha. Este leão parte calmo, por que é intenso, ama, desama, manda, desmanda, é tão intenso como seus carrapatos. Devia continuar a história, tratar os outros portais. Mas acabou a chuva, o chá, acabou o Deus de hoje. Agradeço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário